domingo, 29 de abril de 2007

Cinco !

Subitamente a nossa vida dá uma volta!

Minto. Não é assim tão subitamente.

A nossa espécie está programada para uma adaptação gradual às alterações estruturais. Mesmo quando são imprevistas. O Nuno Ferro (que saudades) chamava a este fenómeno de “familiaridade”. O que acontece é que, sem percebermos lá muito bem como, a nossa compreensão do mundo necessita de enquadrar todas as novas informações no quadro familiar pré-existente. É uma espécie de movimento globalizante da nossa consciência, que não gosta de deixar nada de fora, não gosta de não perceber o que quer que seja, detesta interrupções ou descontinuidades.

O melhor exemplo do movimento da familiaridade é a “surpresa”. Quando um dos nossos colegas de trabalho nos informa que se divorciou, ou quando encontramos uma osga dentro do nosso carro (mesmo no meio dos papéis que há anos jazem no lugar do morto), a nossa consciência petrifica! A mente reage instintivamente (logo in-cosncientemente), ordenando ao nosso corpo que fique alerta, enviando adrenalina para os músculos, eriçando pelos, etc. Mas bastam uns instantes para a familiaridade voltar a dominar o nosso estado. Trata-se de tentar enquadrar o momento da surpresa no contexto da vida. Da nossa vida. Assim, racionalizamos sobre os antecedentes do nosso colega (ele bebia muito, era um mulherengo, chegava sempre tarde, gastava o dinheiro todo…) e enquadramos a osga num leque de possibilidades racionais para a sua presença em tão inesperado local (foi da última vez que tive no campo, realmente deixei esta porta aberta muito tempo, escondeu-se nos papéis, etc.)

Sim, entrámos no domínio da fenomenologia.

Se atentarmos para momentos de grande alteração da nossa vida, verificamos que acabamos por os contextualizar do mesmo modo. Damos-lhe sentido. Encaixamo-los.

Assim foi o nascimento da L. A nossa consciência tem tempo de a enquadrar na rotina, explica-se a si mesma… convence-se. Mesmo depois do nascimento, há uma espécie de naturalidade e de familiaridade no primeiro colo, na primeira fralda, no primeiro acordar a meio da noite. Talvez também tenha algo de instintivo, não sei.

Deste modo, posso dizer que é com alguma naturalidade que ela chegou hoje aos 3 anos.

Volto a mentir! Trata-se antes de um misto de “familiaridade” com “surpresa”.

Quanto mais não seja porque sempre que lhe pergunto quantos anos ela vai fazer, a invariável resposta surge sem demora:

“Cinco!”

3 comentários:

mai xinti disse...

saudoso Nuno Ferro
tb tenho muitas saudades...

Anónimo disse...

Passo a passo elas vão construindo a sua àrvore da vida, fazendo novos "imprevistos" cada vez que um novo ramo ou uma nova folha desponta. Como é bom podermos com toda a nossa "familiaridade" estarmos presentes nestes momentos de "surpresa". Abraço
Mike F.

Grilo Falante disse...

Pois é Miguel, pois é...

Mas por vezes assusta!