terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Dacia


Apesar de colorido, para mim o cinema continua a ser dos antigos. Quero com isto dizer que as cores estão desvanecidas, se é que realmente existem. Acordo tão cedo e vejo tudo tão branco e volto para casa tão tarde e vejo tudo tão negro que parece que a cor fugiu para outro lugar qualquer…

Ainda assim consigo compensar a minha relação com este País através das conversas e dos cheiros que troco com as pessoas de cá. E digo isto porque o tacto é algo que me está proibido e porque os sabores são mascarados pelo cansaço.

A humildade do povo é inquietante e o desejo de abertura a novos horizontes também. Não fosse a neve e julgaria estar em Portugal. Talvez seja devido ao facto de sermos ambos latinos, ciganos e pobres.

Comprados os direitos de fabricar o Renault 12, foi fundada a Dacia. Há-os de todos os tipos, feitios e cores na medida em que as consigo distinguir. Ora sob a neve, ofuscados pela lama ou cobertos de noite, estão em todo o lado. São resistentes, fáceis de arranjar e baratos. Ultimamente foram comercializados novos modelos, com ABS, Airbags, Injecção electrónica e ar condicionado. Estes já não os consigo distinguir. Os motores continuam a ser franceses, mas isso não interessa para os romenos. O que realmente importa é que são nacionais, é que são deles, é que são Dacia.

domingo, 28 de janeiro de 2007

Turgu Mures


É este o nome da cidade onde me encontro neste momento.

Devem estar uns 5º negativos, mas para quarta prevêem-se 15º abaixo do limite inventado pelos árabes.

Amanhã é o grande dia.

A Roménia não é um País tão pobre quanto poderíamos imaginar. Em muitos casos parece-se com as cidades alemãs. O parque automóvel é, esse sim, um pouco mais velho do que o normal. As pessoas são simpáticas e calorosas. O inglês é uma aflição, a cerveja é sempre ao meio litro e a comida a cerca de metade do preço.

Até agora o colorido da bandeira romena esteve sempre revestido de branco.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Realidade Virtual

Agora que ando a ler Derrick de Kerckhove (A Pele da Cultura), estou cada vez mais sensível à problemática das novas tecnologias, principalmente a questão da Realidade Virtual.

Até hoje sempre considerei o ser humano (o homem) como um produtor de máscaras. De facto, cada um de nós produz, utiliza, adequa e recicla máscaras consoante as situações e os contextos que tem de enfrentar. Paradigma do que estou a defender é a máscara que utilizamos quando nos deparamos com a vizinha do lado logo pela manhã. “Bom Dia, como está?”, dizemos nós de sorriso aberto. Nos transportes públicos esta é substituída pelas sobrancelhas carregadas e rosto fechado. Fica completa com o “Destak” na mão. Não irei falar das máscaras utilizadas nos locais de trabalho ou em conversas de engate. Parecem-me óbvias de mais.

Derrick de Keckhove dá o exemplo de um topógrafo canadiano (Michael Smart) que, trabalhando para o governo no estado de Ontário, tentava fazer o levantamento de uma região inóspita juntamente com um guia da tribo Algonquin. Reparando que estava perdido, comenta para o seu guia: “Estamos perdidos!”, ao que este responde com ar de espanto: “Não, senhor. O terreno é que está perdido!”

Este exemplo vem colocar em evidência a noção espacio-temporal que caracteriza a nossa cultura ocidental. Com efeito, tendemos a compreender o mundo como sendo estável e estático, e nós, seres humanos, deambulamos por ele. Tal como um actor se movimenta pelo palco. Pelo contrário, outras culturas tendem a considerar o mundo como um espaço fluído e liquefeito, onde o único ponto fixo e imutável é o próprio ser humano. O homem empurra o chão com os seus próprios pés. Quando corre, simplesmente empurra o chão com mais força.

Creio que Derrick de Kerckhove tem alguma razão no que diz.

Enquanto preparo as minhas aulas, programo, efectivamente, o meu mundo. Mergulho no mundo da filosofia. Estou aí, na filosofia (como diria Heidegger). Á noite, e com maior ou menor esforço, e isto porque a mudança de programa requer alguma habituação, reintroduzo o programa familiar. As preocupações são outras, os problemas, as atitudes, as máscaras. No dia seguinte, senão mesmo antes de dormir, instalo o programa do curso de formação que irei animar no dia seguinte pelas 9 da manhã.

Creio que o factor que descriminará o sucesso entre os homens, neste mundo competitivo e global em que vivemos, será a capacidade de habituação, programação e instalação do maior número de programas possível. De preferência simultaneamente, qual processador informático Corel Duo 2.

Estou agora a fazer o download da Roménia.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Tribuna Tertiaria

E foi então que o Xico me perguntou: “Tens o CAP?”

Tinha-lhe dado boleia, vindos de um Conselho Regional ou de qualquer coisa assim parecida, igualmente importante. O Xico é daqueles que não tem carta porque não quer. Figuras raras e, por isso mesmo, motivo de curiosidade. Não significa que não tenham razão. Apenas estão contra a corrente. Contra a “cultura dominante”. Desde que retomei a minha, agora predilecta, ocupação dos transportes públicos, venho a questionar-me sobre o que tenho perdido nestes últimos anos. Consequentemente, a curiosidade, aos poucos, transforma-se em admiração.

Eu respondi que sim. Nessa altura ele ainda era o Secretário dos Recursos Adultos do Núcleo Serra da Lua, e estava a liderar cursos de formação de dirigentes há um ou dois anos.

“Se calhar podias fazer parte da Equipa de formação do Núcleo. O que é que achas?”

Eu achei que sim.

Desde essa altura que me envolvo (por breves períodos, é certo) na formação de futuros dirigentes que, posteriormente, irão formar jovens.

O prazer aumentou consideravelmente, comparado com o sentido na transmissão de conhecimentos às outras audiências. Desta vez tratava-se de adultos e, realmente, com adultos é diferente.

A manipulação é mais honesta… mais sincera.

E, claro, há a contestação. Dá luta!

Apesar de ser o formador típico que não se gosta de comprometer (chega, dá a sua formação e ‘baza que se faz tarde’), o que é certo é que me dava um gozo que ainda não tinha experimentado. Estaria a descobrir o meu caminho?

Uma vez mais a tribuna, desta vez metamorfoseada em salas frias, refeições partilhadas e fardas esbarrigadas, me surge como um desígnio ao qual, parece, não consigo fugir.

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Fogo de Artifício

“Já está!”

Esta é a frase que mais escuto nos últimos tempos, vinda dos labirintos esquecidos e incompreendidos do meu inconsciente. Pelo menos assim o diria Freud.

Tentei compreender o incompreensível, uma vez que não é possível lembrar o esquecido. Pelo menos sem ajuda, assim o diria Freud.

Acho que a frase nasceu num sentimento muito forte que me acompanha desde o momento que terminei um ciclo de trabalho verdadeiramente mortífero. Ainda não acabei tudo, mas agora tenho autorização para colocar a preguiça à frente. A consciência é uma negociadora implacável, e quase nunca o tédio consegue ganhar à culpa.

Conseguiste superar mais esta fase da tua vida. O trabalho moeu, mas não matou!

“Já está!”

Logo de seguida foi necessário obedecer ao imperativo do Natal. As boas disposições do costume, prendas, embrulhos, broas e coscurões. Viagens para casa dos sogros, visitas aos pais, jantares com amigos e mais boas disposições. Ah! E mais prendas, e visitas aos locais onde costumo trabalhar, e telefonemas e mensagens e… padrinhos e afilhados!

“Já está!”

Arrumar as prendas, a casa dos sogros, a nossa casa, agradecer a lembrança e… preparativos para o ano novo. Negociar com amigos e família sobre os locais, pesquisas na net sobre os quais, os mais perto e os mais baratos. Compras de última hora, filas, reclamações, multibancos, viagens a casa dos sogros, dos papás, telefonemas e mensagens, desejos de felicidade e de boas entradas. Mais boas disposições. Correrias em Lisboa, fugas ao trânsito, discussões e empurrões. Champanhe em chuvisco, lixo e mijo.

“Já está!”

Não me admira que esta quadra acabe em fogo de artifício. O que me admira é a conotação que este continua a manter com o orgasmo.