segunda-feira, 14 de maio de 2007

Segundo Primeiro de Maio

Tinha 2 anos e os meses deste Blog quando, às cavalitas do meu pai, vislumbrei pela primeira vez um mar de pessoas. Elas tinham muitas bandeiras encarnadas. Gritavam todas em conjunto, havia música e estava muito calor. Lembro-me ainda da minha mãe estar muito assustada e de se querer ir embora. Não sei exactamente onde é que estava, mas era em Lisboa e havia arcadas onde o meu pai ia de vez em quando fugir aos encontrões com a desculpa de apanhar um pouco de sombra.


É das minhas primeiras recordações.

A semana passada voltei a escutar as mesmas palavras de ordem. Também havia música e bandeiras vermelhas. Cheguei mesmo a trazer uma para casa, quem sabe com saudades das que não pude trazer à 33 anos atrás. O que não havia era calor. Estava frio e choveu o suficiente para voltarmos para casa a correr.

Este ano resolvemos contrariar os convites para um dia de praia, almoços em família ou inauguração de um campo de Paintball e decidimos participar nas comemorações do 1º de Maio. Calças de ganga coçadas, camisa aos quadrados e botas marcadas por anos de maus tratos, lá fomos nós para a cidade universitária ao som dos pífaros da CGTP.

A L. adora ir no seu carrinho, praticante de TT nos passeios de Lisboa, empurrada ora por mim ora pela mãe. Nesse dia dizia adeus às pessoas, cantava e ria como raramente o faz na presença de estranhos. Quando nos sentámos na relva ainda seca da cidade universitária, perguntou se estávamos num pic-nic? A A. (que, como nasceu na Bulgária, tem uma visão menos romântica destas coisas) disse-lhe que sim, enquanto eu e o PT convencíamos os camaradas do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa a dispensar-nos umas fatias de pão para a morcela que acabáramos de comprar. Comemos sardinhas e bebemos vinho carrascão. Acabámos com as últimas bifanas e bebemos mais vinho.

Quando começou a chover resolvemos visitar o outro 1º de Maio. O dos ciganos que ocupam os parques de estacionamento que nos outros dias estão reservados para os doutores e futuros Dr.’s. Vendem roupas de qualidade, lençóis de marca e sapatos avulso. De vez em quando aparece um índio do Peru que vende cachimbos, calças e pulseiras para disfarçar as saudades das folhas da coca.

Sem comprar nada, não admirou que a chuva continuasse cada vez mais forte, cuspida pelo vento. Não havia alternativa. Marchemos para casa que de 1º de Maio já chega. Foi então que aconteceu…começaram as palavras de ordem

“Sócrates, escuta: Os trabalhadores estão em luta!”.

Começámos inevitavelmente por rir. Não só Sócrates não escutava como o relvado em frente ao jardim estava mais despido do que num Sábado de manhã, quando meia dúzia de menos jovens se juntam para jogar à bola fingindo que a polícia municipal não os vê.

Mas as piadas revolucionárias foram fraquejando à medida que iam chegando os tais. Aqueles. Vocês sabem! Vinham de todo o lado, em filas ordeiras, bandeiras vermelhas e palavras de ordem. Também havia música, bombos e cabeçudos. Marchavam na nossa direcção, indiferentes à chuva, ao vento e às nossas cada vez mais silenciosas piadas. Eram tantos que me lembrei subitamente do meu primeiro Primeiro de Maio, há 33 anos atrás. Parece que nunca mais acabavam… enfermeiros, professores, cantoneiros, agricultores, pescadores, mineiros, metalúrgicos…


Foi o meu segundo Primeiro de Maio.

Será que, com apenas 3 dias depois dos 3 anos, a L. se irá lembrar do pic-nic?

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