sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Armia Zbawienia

Pouco passava das 10:30 da manhã quando, marchando em falanges imponentes, num brado deslumbrante, foram em socorro do Exército de Salvação sedeado em Varsóvia, quais aliados que entram num campo de batalha de uma cidade destruída pela guerra.

Varsóvia foi praticamente toda destruída pela IIª Guerra Mundial, fruto da decisão de Hitler em aniquilar o símbolo da resistência à ocupação germânica. A 1 de Agosto de 1944 a resistência polaca decide passar à luta armada e revolta-se. É a então denominada “Insurgência”, na qual mais de 18 mil resistentes organizados em verdadeiros corpos de exército, bem como cerca de 180 mil civis, são mortos após 2 meses de intensos combates na capital da ocupada polónia, com o exército vermelho a assistir nas margens do rio Vístula.

Com a capitulação dos insurgentes, capitula também a Polónia. Foi depois ocupada pelos soviéticos até à queda do muro de Berlim de 1989. Bem antes da entrada dos exércitos comandados por Estaline, Hitler teve tempo de se vingar, ordenando que não ficasse pedra sobre pedra na cidade ferida pelos constantes bombardeamentos aquando da revolta. Foi um plano executado á letra pelas SS que demoliu sistematicamente todas as principais artérias, bairros e edifícios, deportando habitantes e perseguindo colaboradores. Varsóvia ficou reduzida a 10% do que era antes do início da Guerra.

Assim sendo, não é de estranhar que toda a cidade seja um monumento aos resistentes (ou aos insurgentes). Andando pelos bairros da cidade, sejam eles quais forem, é impossível não deparar com placas, de bronze enegrecido, em edifícios de estilo comunista comemorando a morte de um ou vários heróis que pereceram estoicamente às mãos de um exército ocupante. Algumas são adornadas com fitas vermelhas e brancas, flores da época e velas meio derretidas. Os edifícios que sobreviveram ostentam, orgulhosos, os tijolos vermelhos com marcas de balas e as inevitáveis placas.

De vez em quando encontramos uma praça onde estátuas de ferro negro representam a luta, com homens e mulheres de uniforme alemão, carregando ora os filhos ora as armas, a entrarem em esgotos, a saltarem ruínas, a dispararem para inimigos imaginários. Uma vez mais as fitas bicolores e as velas semiapagadas tornam o cenário um pouco mais assustador do que já era. Os Polacos levam aquilo a sério.



Sem querer entramos no gueto. Aqui os alemães prenderam todos os judeus de Varsóvia até os conseguirem deportar para os vários campos de extermínio. Há museus ao ar livre que mais não são do que restos de arame farpado, muros esburacados e casamatas destruídas por toda a parte.

Os reforços chegaram num dia de chuva. Para lá chegarem ouviram rumores de que o distrito de Praga Północ, bem perto do Jardim Zoológico, era um dos mais problemáticos da cidade. Segundo lhes diziam os habitantes de Cracóvia e de Zakopane, havia um assassínio por dia, acompanhado por vários assaltos à mão armada. Sem se intimidarem, marcharam orgulhosamente até se juntarem ao Armia Zbawienia.







Constituído por apenas 3 membros, fundaram a sua Igreja Evangélica há apenas 1 ano. Ocupam os seus dias jogando futebol, rezando e idealizando brincadeiras com jovens e crianças do mais desfavorecido dos bairros de Varsóvia.



É uma batalha que ainda está longe da capitulação.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Chata pod Rysmi

À distância de meia hora da fronteira polaca (sim, porque em montanha as distâncias medem-se em tempo) e situada a 2250m de altitude, encontra-se o abrigo de montanha / pensão Chata pod Rysmi.



A fronteira é a do sul.



O território é o dos Altos Tatras, espécie de Alpes Polacos e eslovacos, parque natural de qualidade invejável. Não só pelo cuidado nele posto como pela própria natureza. Ainda lá vivem Ursos em estado selvagem, que namoram com águias reais e cabras montesas em alturas de menor frio. Com a neve chegam os esquiadores e os Ursos escondem-se nas grutas para dormir, fingindo hibernar para não serem chateados.

Embora situado em território Eslovaco, não se pode dizer que este abrigo tenha uma nacionalidade definida. Para além de podermos trocar vários tipos de notas e moedas (Euros, zlotis e coroas, pelo menos) por impagáveis cervejas de meio litro (pivos) e reconfortantes cafés (nada de expressos! Ou turco ou instantâneo!), por lá sente-se uma espécie de fraternidade internacional.

Enquanto recobrávamos da esgotante subida ao ponto mais alto a Polónia (Monte Rysy, 2499m de altitude, sempre defendidos pela chuva, guardados pelo frio e camuflados de nevoeiro – diariamente a partir das 11:00 e até às 17:00), sentados em mesas de forte madeira e bancos corridos e tentando não nos engasgarmos com uma refeição quente ao fim de 8 horas de inclinações
que obrigam à utilização de correntes para a conquista do bicho, somos presenteados com escaladores e hikers oriundos da Suécia, Inglaterra, Checos e, claro está, Eslovacos e Polacos. Também lá estavam uns quantos alpinistas que treinavam para uma subida a um cume qualquer de nome nepalês, mas não consegui perceber a nacionalidade. Também há desvantagens em falarmos a língua de Shakespeare com sotaques macarrónicos. Pelo menos se nos sentamos a duas mesas de distância. Mesmo que estas sejam corridas.



Não há electricidade nem água potável. A noite é conquistada por esquecidos candeeiros a petróleo e lanternas frontais. A água está á disposição em duas tinas de alumínio, logo à entrada. Cada um serve-se numa caneca e leva-a lá para fora para o que tiver de fazer. Eu lavei muitas vezes as mãos e uma vez os dentes. Também não há caixotes do lixo. O que cada um faz, deve levá-lo de volta.

Ainda assim, aquilo que mais chama a atenção nesta desolada região de montanha, onde o cinzento das pedras rejeita o azul do céu e o branco das nuvens se dilui nos restos de gelo que o sol não consegue beber, são as casas de banho. Em tão espartanas condições, seria natural que aquelas também o fossem. Puro engano. A cerca de 100 metros da Casa Abrigo, percorrendo o trilho de cerca de hora e meia em direcção à primeira povoação eslovaca, encontramos umas latrinas profusamente decoradas. Pintura em tons quentes, obra de arte com influências dos movimentos de libertação da década de 60, facilmente reconhecemos os símbolos da paz, do prazer e do sexo livre. A cerca de 10 metros da dita impõe-se um símbolo fálico em madeira esculpido e impecavelmente ornamentado, convidando os mais aflitos a uma breve antevisão do alívio prometido e os mais curiosos a poses para fotografias digitais. Para quem tem mais tempo, estão disponíveis dois bancos de jardim. Isto porque a casas de banho são só para um. Os outros que esperem.

A espera só custa porque o que se vê lá de dentro é de outro mundo. Toda a frente do pequeno cubículo de madeira é de vidro feita. Uma enorme janela de vidro duplo para um vale encantado. Uma sanita rústica que dá para um buraco. Um buraco que dá para o mesmo vale. Sente-se um ventinho agradável no rabo e um prazer enorme na vista. Fiquei lá muito mais tempo do que precisava. E do que devia também, pois o grande pénis já tinha perdido o carácter de novidade e os bancos de jardim teimavam em ser poucos para tanta afluência. Não quis saber e voltei a fazer mais um pouco de esforço para justificar o meu egoísmo em tão imprevisível lugar.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Oświęcim

Pequena cidade a cerca de 65 Km a Oeste de Cracóvia, pouco tem de interessante para além da estação de comboio. Faz lembrar uma daquelas cidades americanas escondidas no deserto do Texas, com algumas casas de dois andares que cresceram à espreita da única estrada alcatroada que atravessa a região. Neste caso a estrada é composta de duas linhas de ferro, em vez do alcatrão derretido pelo sol.



Em 1940 Oświęcim foi objecto de estudos geológicos. Os alemães recém entrados na Polónia analisaram a capacidade de drenagem das vastas planícies que sustentavam o cultivo de cereais. A grande capacidade de drenagem aliada ao facto de o terreno ser plano agradava-lhes. Principalmente porque nesta pequena localidade se situava um nó ferroviário de alguma importância. Central e com grande capacidade de movimentação de transportes, tanto de comboios como de carros, era o local ideal para a localização de um novo pólo industrial. Esse pólo foi desenvolvido o quanto antes. Lá se instalaram fábricas de borracha sintética e de combustível, como a Buna-Werke, bem como, com o decorrer da segunda guerra mundial, toda uma série de fábricas relacionadas com o esforço de guerra alemão.



Provavelmente nunca ninguém ouviria falar de Oświęcim não fora o facto de lá se ter instalado a maior de todas as fábricas, ela sim imprescindível ao sucesso de todas as outras…







… e se muito poucos escutaram este nome foi porque os alemães o mudaram logo após a ocupação. Oświęcim passou a figurar nos mapas de geografia como Auschwitz.



A entrada é gratuita (como só o poderia ser) e é visitado cerca de 250.000 pessoas anualmente: Americanos que contemplam a arquitectura e as madeiras dos telhados que resguardam as casernas abandonadas pelo exército polaco ainda antes da eclosão da guerra,





grupos de jovens em excursões escolares, famílias que aproveitam o dia para saírem de casa, peregrinações de judeus que ostentam a bandeira de Israel e rezam baixinho cânticos que ensurdecem as nossas almas. Cá fora há amplos jardins que convidam a um pique-nique e vários parques de estacionamento para autocarros autopluma com ar condicionado.



Por 2 zlotis e meio compramos o guia do museu património da humanidade e pela mesma quantia assistimos ao filme de 30 minutos que faz o necessário enquadramento. Ao todo gastamos 1 euro e meio (se não contarmos com o zloti e meio que gastamos nas imaculadas casas de banho guardadas por circunspectas, mas nem por isso antipáticas, senhoras de semblante carregado). Há minibuses que nos levam, também gratuitamente, em silêncio durante 3 km até Birkenau. Também nos trazem de volta. Ainda bem.





Nós não gastámos os 210 zlotis da visita guiada. Ainda mal…

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

1 de Agosto

É amanha dia 1º de Agosto
E tudo em mim é um fogo posto
Sacola ás costas, cantante na mão
Enterro os pés no calor do chão
É tanto o sol pelo caminho
Que vendo um, não me sinto sozinho
Todos os anos, em praias diferentes
Se buscam corpos sedosos e quentes

Adoro ver a praia dourada
O estranho brilho da areia molhada
Mergulho verde nas ondas do mar
Procuro o fundo p’ra lhe tocar
Estendido ao sol, sem nada dizer
Sorriso aberto de puro prazer


Desde a puberdade que temos a infantil tradição de ligar um ao outro a cantar esta canção dos Xutos. Ora sou eu que ligo, ora é o João. Por vezes um esquece-se, mas o outro lembra-se sempre. Desta vez tenho a certeza de que o João se vai esquecer, fruto da nova categoria social que adquiriu à cerca de um mês.

Desde então, o 1º de Agosto é para mim um dia diferente… especial. Para além de marcar o verdadeiro início das férias, transporta-me para os abafadinhos perto da escola secundária e para os melos atrás do pavilhão, para os cadernos enrolados no bolso de trás das calças e para as botas da tropa e t-shirt manchada de lixívia no pico do verão.

Mas este ano o 1º de Agosto também é diferente e especial por outro motivo. O escutismo faz 100 anos.

Nem sempre bem utilizado, nem sempre bem aplicado, provavelmente com razões obscuras na sua nascença… o facto é que se impôs e praticamente não conseguimos imaginar o nosso mundo sem ele. Parece que sempre existiu alguma espécie de organização juvenil com ideais engraçados e que serviu para modelar alguns dos mais duros e íntegros seres humanos que conhecemos. “Claro que Vasco da Gama foi escuteiro!” responderá qualquer Explorador enquanto suja as mãos na vã tentativa de fazer um nó de escota.

O que é certo é que hoje faz 100 anos que o General Inglês Robert Stephenson Smith Baden Powell foi acampar com vinte de rapazes para a ilha de Brownsea, fundeada no Canal da mancha.



Daqui a nada, perto das 8 da manhã, não estranhe se um estranho estranhamente se levantar e começar a gritar bem alto umas frases esquisitas. Provavelmente é um escuteiro a fazer a renovação da sua promessa, em conjunto com cerca de 28 milhões de escuteiros por este mundo fora.

Eu, como sou diferente, vou ficar a dormir que dia 2 vou para a Polónia, comemorar, à minha maneira, o dia 1 de Agosto.