terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Executi-vos

De quando em vez uma empresa de programação contacta-me para conceber, preparar e animar acções de formação para os seus clientes.

A empresa desenvolve os programas à medida do cliente, e depois este precisa de formação sobre o programa que encomendou à sua medida.

Parece um paradoxo, mas não o é assim tanto. Com efeito, os clientes que têm capacidade para comprar programas à medida são clientes diferentes daqueles que estamos habituados. Normalmente nós somos os clientes dos clientes da empresa que, de quando em vez, me contacta. São clientes grandes.

Estive esta semana num desses clientes. Telefonaram-me ainda antes de ir para a Roménia a saber se, uma vez mais, estaria interessado em, desta vez, elaborar manuais pedagógicos e de utilizador de uma aplicação que estavam a desenvolver para uma seguradora. Fiquei a saber que era uma grande.

Ainda antes de ir para a Roménia disse que sim.

Meia azambuado, lá cheguei uma terça feira pós referendo, bem pela manhã que estes clientes gostam de nos ver por lá bem cedo. Cheguei antes das nove. Telefonei e foram-me buscar ao hall de entrada. Prédio antigo totalmente remodelado. Agora novamente em obras, força dos impostos que não se querem pagar.

Gosto dos meus colegas informáticos. Não percebo nada do que eles dizem quando falam uns com os outros, mas basta uma pequena pergunta e são capazes de transformar um mar de bites, databases, warehoses, javas e securitylistupdates numa potente gargalhada. São todos jovens, inteligentes e calados. Engravatados. Lá um ou outro fala um pouco mais, mas, como disse, não entendo quase nada. Eles também não percebem como alguém pode ter estudado filosofia. Somos mundos estranhos.

O ambiente é de openspace e de vez em quando ouve-se uma pergunta: “Alguém sabe como se desliga a porta do servidor em ambiente FileNet?” “Pergunta ao Luís!” “Onde é que ele está?” “Não está aí?” “Não”… E, confesso, por vezes fico maravilhado. Não só com o tipo de nomenclatura que utilizam, qual dialecto indígena de uma tribo isolada na sua selva de cabos, discos, teclados e pendrives, mas principalmente com a entreajuda deles. Nunca percebi se era mesmo entreajuda ou um secreto desejo de descobrir mais, de descobrir como, de saber o porquê… quais crianças a brincar com legos electrónicos.

Neste projecto, para além dos meus colegas programadores, há Project managers, Project coordinators, Project consulters e Sénior advisers. Dois são alemães, um é inglês e outro francês. Foi com o último que falei mais. Vem a Portugal uma vez por semana. Normalmente à quinta-feira. É um alto quadro de uma empresa que criou uma plataforma sob a qual uma série de aplicações correm. A empresa acabou de ser adquirida pela IBM.

Senti-me, de repente, muito próximo destes Project seniores qualquer coisa. Não pelo que são. Não pelo que ganham. Não pelo que fazem na vida.

Eu era um romeno a olhar para um português.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Voto de Castidade

Já cheguei à quase uma semana, mas confesso-me ainda um pouco Romeno.

A experiência foi tão forte, tão cansativa, tão intensa, tão… que me custa a acordar.

(In)Felizmente a familiariedade vai-se apoderando de mim aos poucos e já consigo passar muito tempo sem pensar nos que lá conheci.

Hoje foi o dia do referendo e fiquei contente com o resultado. Senti-me bem ao entrar na escolinha, passear pelo pequeno jardim onde estão as tartarugas grandes abandonadas pelos pais dos alunos que não têm coragem de dizer não, pelo lago dos patos diferentes, pelo átrio dos porquinhos da índia recheados de pão e bolachas Maria. O cheiro a castanha assada, a maca dos bombeiros com moedas de cêntimo a imitar esmolas e os bolos “caseiros” embrulhados em papel celofane foram os parasitas desta multidão.

De vez em quando sabe bem ver uma multidão, fazer-lhe festas, sentir-lhe o pelo macio, escutar como ronrona.

Esta era engraçada. Muito colorida, como o são quase todas, cheirava a perfumes e estava muito bem penteadinha. Por vezes conseguíamos vislumbrar uns chapéus muito elegantes, com abas largas e fitas de feltro, que sobressaíam de cordões e penduricalhos dourados. Muitos tecidos a condizer e expressões graves nos rostos. Esta não se babava para cima de nós com líquidos pegajosos nem com suores quentes. Era uma multidão pacífica. Fina. Distinta.

Pelo menos enquanto me deixou afagá-la.

Esta está, certamente, habituada a fazer as suas porcarias em Espanha, Londres ou Holanda. Por isso hoje está calma e tranquila.

Da última vez, quando estava em causa um presidente que lhe poria a mão nos bolsos (em vez da mão no útero) ela não estava assim. Não estava "não".

Ah pois sim!

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Multumesc


To all I, since then, carry with me.

It’s not easy to forget all that we’ve been trough.

It’s not easy to forget all you’ve done for me.

Andrei, Krisztina-Bella, Doina, Adela, Radu Pop, Radu Roman, Nicoleta, Ruxandra, Tereza, Zsuzsanna, Mediana and Alina…

For me Romania has your colors, your voices, your clothes, your smiles… and my memories.

Servus

Oh...

And the taste of Restaurantul Predeale

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Infinitamente acompanhados


Já estive em cidades cosmopolitas.

A primeira foi Londres. Lembro-me das cores das pessoas, das suas roupas extravagantes, dos sons que mesclavam de condensação o taciturno nevoeiro que nascia no Tamisa. Tudo era colorido. Até os polícias com os, agora habituais, coletes fluorescentes e chapéus pretos ou axadrezados. Tinha 19 anos e o facto de mergulhar nos sons do mundo fez-me tornar simultaneamente minúsculo e gigante. Nunca me hei-de esquecer da sensação de entrar num café e ouvir, reconhecíveis, 6 ou 7 línguas diferentes.

Depois estive em Basileia (para os imigrantes, Básel) na Suíça. Nesta a sensação foi mais duradoura. Estive 6 meses e o mergulho foi diferente. Passei a fazer parte do ecossistema. Em Londres tinha sido um banho rápido seguido de uma soneca na areia aquecido pelo sol da familiariedade. No restaurante onde eu trabalhava (num deles) estavam representadas 5 nações: Portugal, Tamil, França, Holanda e Jugoslávia. Foi antes da guerra. Agora seriam considerados Albaneses os dois empregados de mesa que me pediam os cafés, os martinis e as São Peligrino. No piso do hospital onde o meu primo encontrou o que em Portugal não havia, estavam representadas 40. Em todo o lado se ouvia tudo, se via de tudo e se podia comer de alguma coisa. Nunca fui tão livre nem tão prisioneiro. Os Suíços têm destas coisas.

A última foi Nova Iorque. Ainda com as torres gémeas a balançarem ao sabor dos ventos que, não fora os pêndulos instalados na sua estrutura, as tentavam derrubar, ela acolheu-nos com a sofreguidão de um vórtice indomado. A grande maçã seduz. A grande maçã conquista. A grande maçã é grande e alimenta. Tanto os que lá vivem como os que a visitam. A sensação de estar no centro do mundo é irreprimível e as analogias com uma Lisboa no ano de 1600 são uma constante. É lá que tudo se passa. As executivas de fato completo (blazer e saia, claro) a correrem de um lado para o outro de patins em linha ou de ténis, os coreanos que empurram cabides de roupa acabada de limpar a seco por entre os bafos fumegantes do “subway”, os australianos que tocam nas estações do mesmo, noutra escutamos “aleluiah”s de mini coros negros vestidos de azul celeste e branco. Tudo em 5 minutos. Ficámos lá 5 dias.

Turgu Mures não é cosmopolita. Turgu Mures é assim. Só assim. Tem Romenos, Ciganos e Húngaros. Alguns Alemães. Os que resolveram ficar depois da queda do muro. Depois da revolução. Da segunda revolução. E assim é há séculos e séculos.

Na praça principal podemos confirmar isso mesmo. É domingo e os sinos tocam. Cada um dirige-se para a sua igreja. Para a sua Catedral. Na mesma rua temos 3: a ortodoxa, a cristã e, ao fundo, quase sempre vazia, a do protestante Lutero.

Os ciganos rezam de outras maneiras.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Transilvânia


As relações humanas neste povo são quase impossíveis de compreender por parte de alguém que apenas tem um vizinho.

Há aldeias alemãs, igrejas católicas e catedrais ortodoxas espalhadas um pouco por toda a transilvânia. Também é frequente encontrar “palácios” ciganos onde a ostentação, magnificência e opulência das construções apenas é comparável com a sua inutilidade. Os Reis ciganos têm palácios para se ver. Não para viver.

A relação com a Hungria é bastante interessante. Responsável pela maior parte das invasões que ocorreram neste país, as suas marcas estão por todo o lado. Os restaurantes têm menus em romeno e em húngaro, há escolas e universidades húngaras, todos têm um pai, tio ou avô húngaro. Muitos romenos só falam húngaro e é normal assistir a conversas de café com tradutores de ocasião.

Na transilvânia fala-se muito húngaro e as lojas de “souvenires”, iguais em todo o lado, são dominadas por estes. Não gostam de romenos, não têm canecas nem cinzeiros com as tricolores bandeiras e as compras têm de ser feitas na sua língua.

O que os une verdadeiramente é o Drácula. Conde oriundo destes bosques gelados e sombrios, dos poucos onde ainda se podem ver ursos selvagens, ficou conhecido pelo facto de empalar os seus inimigos. O cinema norte-americano fez o resto. Hoje é uma atracção da transilvânia. Os últimos estudos apontam-no como o maior responsável pelo fluxo de turistas à região.

Assim, enquanto os bosques se vão deixando arrefecer pela neve, os húngaros da transilvânia continuam a pendurar os seus fios empalados à beira da estrada, enquanto se aquecem em fogueiras improvisadas com a madeira que os pinheiros lhes oferecem. Tal como na idade média, sustentam alhos, cebolas e, agora, todo o tipo de recordações que invocam o senhor da terra.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Cu carne de vacă nu se moare de foame


Rodeada por línguas eslavas, a Roménia é uma espécie de ilha onde as palavras se encostam às nossas sem pedir licença.

Pelos vistos os Romanos só estiveram cá cerca de 100 anos, até os Bárbaros, Tártaros e Vândalos os terem devolvido à península de origem. Pelos vistos não ficaram por cá. Limitaram-se a perseguir os Romanos.

Ainda hoje os Romenos aprendem que são os verdadeiros descendentes do Império Romano e que nunca foram conquistados, apenas subjugados. Isto apesar de só terem conseguido a sua independência há pouco mais de um século, de terem feito parte do Império Austro-Húngaro, de se terem envolvido nas duas últimas grandes guerras, de terem sofrido a influência Soviética até inícios da última década do século passado e de agora pertencerem à União Europeia.

Tal como o latim teimou em resistir ao húngaro, sérvio, ucraniano e alemão, assim também as fábricas do tempo do comunismo teimam em resistir às demolições dos novos arquitectos do capitalismo.

Os rios sonolentos, quase gelados, ainda recebem os seus despojos até que alguma associação ambientalista os acorde junto dos novos e modernos tribunais europeus.

Os formulários serão, certamente, preenchidos em Inglês.