segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Bolo Rei sem brinde não presta!

Sempre gostei de Bolo Rei.

Desde que me lembro ser gente.



Numa das minhas primeiras recordações, ainda a viver em Xabregas, numa casa que agora me dizem ter sido minúscula e que na altura tinha outra altura, o Bolo Rei foi o nome que tem.

Tratava-se de um jantar de família (Natal ou Passagem de Ano, confesso ser-me difícil de distinguir do alto dos meus três anos acabados de cumprir) e todos estavam reunidos à mesa. O meu tio Carlos, a minha tia Ester, o meu padrinho e os meus pais. Pelo menos esses.

Eu deveria estar a brincar com a minha prima Carla, miúda reguila e com menos uns mesitos do que eu.

(Engraçado como de repente os sons se tornam mais nítidos e as cores também)

Vejo copos de vinho, risos e candeeiros de lustre barato. A mesa é de madeira e tem cantos muito afiados, daqueles que hoje são proibidos. É daquelas castanhas claras com pequenos cortes negros nas pontas a fingir de folhas queimadas ou lá o que é. Sei isso porque é aquilo que os meus olhos vêm melhor. Todos se riem. Parecem felizes. Muito felizes. Há Bolo Rei espalhado no chão e pela mesa. Muito Bolo Rei.

Eu procuro nas migalhas o brinde. Eu, do alto dos meus 3 anos e alguns dias, olho para cima e procuro o brinde. Sem o encontrar, claro. E todos se riem cada vez mais alto, ignorando a minha epopeia.

Ninguém me vê, e fiquei, lembro-me bem, com o brinde fisgado.

Desde então que procuro maliciosamente o brinde nas fatias do Bolo Rei antes de as comer e, mais velho, de as cortar. Como todos, tenho de o oferecer, por nítida vergonha, a qualquer criança presente na sala. Cabras! Miro-o com olhos de pequeno e com aquela satisfação de quem não o teve quando queria.

Hoje peço aos meus pais para me contarem aquela história. É sempre a mesma mas gosto de a ouvir como as crianças gostam de escutar sempre a mesma história. Parece que lhes traz segurança. Provavelmente a mim também.

Hoje percebo, lá está, porque mo contam outra e outra vez, que o meu padrinho, para não pagar o Bolo Rei no ano seguinte, tinha comido a fava. Sim, porque a quem calhava a fava, tinha de pagar o pitéu no ano seguinte (isto antes dos nossos governos terem ficado com as favas enquanto vendiam os brindes aos europeus). Ora, para risota geral, o meu padrinho engasgara-se e teve de ser acudido pelos restantes membros da família. Daí o Bolo Rei todo e os risos e a felicidade e o barulho e as migalhas espalhadas no chão.

Só o brinde é que não.

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